A ditadura do PAC tenta amansar os guerreiros Munduruku
O pronunciamento da presidente Dilma em recente
inauguração de mais uma hidrelétrica em Estreito (MA) deixa evidente que
ela se julga acima do bem e do mal. Chega a dizer publicamente que está
orgulhosa do governo e das empresas que construíram a barragem de
Estreito
26/10/2012
Edilberto Sena*
No último dia 17 de deste mês, aconteceu uma reunião na cidade de Itaituba, entre representantes da Eletrobrás, Funai e CENEC (empresa
encarregada pela Eletronorte a fazer os estudos preparatórios ao EIA
RIMA requeridos do IBAMA para futuro leilão de construção
da hidroelétrica de São Luiz do Tapajós), e do outro lado, 20
representantes do povo Munduruku (uns do alto, outros do médio e outros
do baixo Tapajós). A convocação da reunião foi da Funai, alegando Martha
Montenegro, da FUNAI Brasília, que era por causa de um incidente
anterior, onde os índios impediram os técnicos da CENEC de fazer os
trabalhos de pesquisa nas terras indígenas.
Três representantes do Movimento Tapajós Vivo participaram como
ouvintes da reunião e puderam registrar em câmeras filmadoras o suposto
diálogo. Um dos ouvintes, antropóloga, relatou que em determinado
momento em que a sra. Martha Montenegro da FUNAI Brasília, insistia que
os índios não impediriam que o governo prosseguisse com o plano da
pesquisa na terras deles, a antropóloga relatou o seguinte: “As
lideranças indígenas ali presentes reafirmaram sua decisão de que os
estudos de viabilidade técnica da obra não poderiam continuar em suas
terras (sem delimitar os limites dessa área). E, mais que isso, disseram
enfaticamente que não queriam as usinas no Tapajós. Diante do
posicionamento indígena, a representante da Funai disse que, mesmo com a
decisão deles, os estudos iriam continuar. A essa colocação, os
indígenas disseram que, neste caso, se os pesquisadores continuassem a
entrar em sua área, os Munduruku poderiam reagir energicamente contra
eles. Contra essa possibilidade, Martha disse que se eles engrossassem a
voz contra o Estado, o Estado poderia engrossar a voz contra eles e,
por exemplo, colocar a Força Nacional para garantir a continuidade dos
estudos. Essa possibilidade foi entendida pelos Munduruku como um
chamado à guerra”.
A situação na região do Tapajós está ficando cada vez mais tensa. O
governo federal insiste em construir hidroelétricas sem respeitar os
direitos dos povos ali existentes. O Ministério Público Federal,
guardião do patrimônio nacional, abriu processo na Justiça Federal
em Santarém, uma ação civil pública solicitando que a justiça mande
parar qualquer intervenção de pesquisa sobre o rio Tapajós com fins de
construção de hidroelétricas, sem antes respeitar o que manda a
Constituição Nacional e a resolução 169 da OIT. Na semana passada, o
juiz federal requereu dos acusados, Eletrobrás, Eletronorte e IBAMA que
dessem explicações por que estão invadindo as comunidades com pesquisas,
sem diálogo com os indígenas e ribeirinhos. Aguarda-se decisão da
justiça.
Por outro lado, a sociedade civil tem se organizado para a
resistência junto com os Munduruku, exigindo respeito a seus direitos,
olhando o que acontece em Jirau, Santo Antônio e Belo Monte. Se naquelas
duas regiões o governo age de forma ditatorial, enfiando goela abaixo
seus planos de barragens, quererá fazer o mesmo no rio Tapajós.
A reunião destes dias em Itaituba prova que a Funai, que devia
defender os índios, reconhece que não tem poder de impedir os atos do
seu patrão, o governo. Durante as discussões na reunião de Itaituba da
quarta feira passada, a antropóloga que registrou toda a conversa em
vídeo relatou que “a sra. Martha parecia bastante preocupada com o
desenrolar da reunião, porque, ela insistia, se os Munduruku não permitissem a realização dos estudos, a própria Funai não poderia se manifestar acerca do empreendimento”.
O raciocínio para vários militantes em defesa do rio Tapajós e seus
povos, é que, se o governo federal age tão arbitrariamente, impondo as
hidrelétricas sem levar em conta os povos que serão prejudicados na
região, a resistência ativa é o único caminho que resta e o MPF, o único
aliado que se tem dentro da esfera do Estado brasileiro. O
pronunciamento da presidente Dilma em recente inauguração de mais uma hidrelétrica em Estreito (MA)
deixa evidente que ela se julga acima do bem e do mal. Chega a dizer
publicamente que está orgulhosa do governo e das empresas que
construíram a barragem de Estreito e vai mais adiante
dizendo: “Eu me orgulho muito do setor elétrico no Brasil, eu me orgulho
desses empreendedores. Isso eu estou falando como presidente da
República. Eu me orgulho desse país ter empreendedores que têm
capacidade de construir uma usina hidrelétrica… Sei que o Brasil é um
país privilegiado porque ainda temos fontes hidrelétricas a explorar e
gerar energia a partir dos nossos rios. Do ponto de vista ambiental, é
muito melhor do que gerar energia através de óleo combustível, diesel e
carvão. E muito mais seguro, do ponto de vista dos seus efeitos e
consequências, do que gerar energia nuclear”. Como se houvesse apenas
duas opções, energia nuclear, ou energia “limpa” na ponta e muito suja
na fonte, como são as hidrelétricas. Como se não houvesse energia solar,
eólica, biomassa e até a renovação das turbinas de todas as usinas já
existentes, que gerariam 40% de nova energia por preço muito menor,
segundo os pesquisadores.
Com tal convicção de uma presidente, as populações da Amazônia não
podem esperar respeito e diálogo eficaz. Os indígenas Munduruku já
compreenderam que não há caminho para serem respeitados pelo diálogo.
Os grupos não índios da região do Tapajós estão
recebendo força e inspiração dos parentes indígenas de que só unidos e
organizados serão capazes de exigir respeito à sua dignidade.
* Edilberto Sena é padre, coordenador geral da Rádio Rural de
Santarém, presidente da Rede Notícias da Amazônia – RNA e membro da
Frente em Defesa da Amazônia – FDA.
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