Liberdade de Imprensa
O vice-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, no Fórum sobre Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário, na Sala de Sessões da Primeira Turma do STF, no painel “O Brasil sem Lei de Imprensa”, lembrou as razões que levaram a Suprema Corte a suspender a aplicação da Lei de Imprensa no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, em abril de 2009, quando o STF considerou a Lei 5.250/67 incompatível com a Constituição Federal de 1988.
Faço minhas as palavras do ministro, futuro presidente do STF:
“Não há opção diferente daquela que seguramente fez o nosso Magno Texto Republicano: consagrar a plenitude de uma liberdade tão intrinsecamente luminosa que sempre compensa, de muito, de sobejo, inumeravelmente, as quedas de voltagem que lhe infligem profissionais e organizações aferrados a práticas de um tempo que estrebucha, porque já deu o que tinha de dar de voluntarismo, chantagem, birra, perseguição.
Faço minhas as palavras do ministro, futuro presidente do STF:
“Não há opção diferente daquela que seguramente fez o nosso Magno Texto Republicano: consagrar a plenitude de uma liberdade tão intrinsecamente luminosa que sempre compensa, de muito, de sobejo, inumeravelmente, as quedas de voltagem que lhe infligem profissionais e organizações aferrados a práticas de um tempo que estrebucha, porque já deu o que tinha de dar de voluntarismo, chantagem, birra, perseguição.
Esparsas nuvens escuras a se esgueirar, intrusas, por um céu que somente se compraz em hospedar o sol a pino. Exceção feita, já o vimos, a eventuais períodos de estado de sítio, mas ainda assim “na forma da lei”. Não da vontade caprichosa ou arbitrária dos órgãos e autoridades situados na cúpula do Poder Executivo, ou mesmo do Poder Judiciário.
Verbalizadas tais reflexões e fincadas estas primeiras interpretações da Magna Carta Federal, também facilmente se percebe que a progressiva inafastabilidade desse dever da imprensa para com a informação em plenitude e sob o timbre da máxima fidelidade à sua base empírica é que passa a compor o valor social da visibilidade.
Nova categoria de direito individual e coletivo ao real conhecimento dos fatos e suas circunstâncias, protagonismos e respectivas motivações, além das ideias, vida pregressa e propostas de trabalho de quem se arvore a condição de ator social de proa, principalmente se na condição de agente público.
Visibilidade que evoca em nossas mentes a mensagem cristã do “conheceis a verdade e ela vos libertará” (João, 8:32), pois o fato é que nada se compara à imprensa como cristalina fonte das informações multitudinárias que mais habilitam os seres humanos a fazer avaliações e escolhas no seu concreto dia-a-dia.
Juízos de valor que sobremodo passam por avaliações e escolhas em período de eleições gerais, sabido que é pela via do voto popular que o eleitor mais exercita a sua soberania para a produção legítima dos quadros de representantes do povo no Poder Legislativo e nas chefias do Poder Executivo. Mais ainda, visibilidade que, tendo por núcleo o proceder da Administração Pública, toma a designação de “publicidade” (art. 37, caput, da CF). Publicidade como transparência, anote-se, de logo alçada à dimensão de “princípio”, ao lado da “legalidade”, “impessoalidade”, “moralidade” e “eficiência”. Sendo certo que a publicidade que se eleva à dimensão de verdadeira transparência é o mais aplainado caminho para a fiel aplicação da lei e dos outros três princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade na Administração Pública.
Daqui já se vai desprendendo a intelecção do quanto a imprensa livre contribui para a concretização dos mais excelsos princípios constitucionais. A começar pelos mencionados princípios da “soberania” (inciso I do art. 1º) e da “cidadania” (inciso II do mesmo art. 1º), entendida a soberania como exclusiva qualidade do eleitor-soberano, e a cidadania como apanágio do cidadão, claro, mas do cidadão no velho e sempre atual sentido grego: aquele habitante da cidade que se interessa por tudo que é de todos; isto é, cidadania como o direito de conhecer e acompanhar de perto as coisas do Poder, os assuntos da pólis.
Organicamente. Militantemente. Saltando aos olhos que tais direitos serão tanto melhor exercidos quanto mais denso e atualizado for o acervo de informações que se possa obter por conduto da imprensa (contribuição que a Internet em muito robustece, faça-se o registro).
Esse direito que é próprio da cidadania – o de conhecer e acompanhar de perto as coisas do Poder, e que a imprensa livre tanto favorece - nós mesmos do Supremo Tribunal Federal temos todas as condições para dizer da sua magnitude e imprescindibilidade. É que a própria história deste nosso Tribunal já se pode contar em dois períodos: antes e depois da “TV Justiça”, implantada esta pelo então presidente Marco Aurélio. TV Justiça a que vieram se somar a TV digital e a “Rádio Justiça” (criações da ministra Ellen Gracie, à época presidente da Corte), para dar conta das nossas sessões plenárias em tempo real. O que tem possibilitado à população inteira, e não somente aos operadores do Direito, exercer sobre todos nós um heterodoxo e eficaz controle externo, pois não se pode privar o público em geral, e os lidadores jurídicos em particular, da possibilidade de saber quando trabalham, quanto trabalham e como trabalham os membros do Poder Judiciário. Afinal, todo servidor público é um servidor do público, e os ministros do Supremo Tribunal Federal não fogem a essa configuração republicana verdadeiramente primaz.
Também deste ponto de inflexão já vai tomando corpo a proposição jurídica de que, pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Falo da democracia como categoria jurídico-positiva (não simplesmente filosófico-política), que em toda Constituição promulgada por uma Assembleia Constituinte livremente eleita consubstancia o movimento, o fluxo ascendente do poder de governar a pólis; quer dizer, o poder de governar toda a coletividade como aquele que vem de baixo para cima, e não de cima para baixo da escala social.
(...)Avanço na tessitura desse novo entrelace orgânico para afirmar que, assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. Até porque essas duas categorias de liberdade individual também serão tanto mais intensamente usufruídas quanto veiculadas pela imprensa mesma (ganha-se costas largas ou visibilidade – é fato -, se as liberdades de pensamento e de expressão em geral são usufruídas como o próprio exercício da profissão ou do pendor jornalístico, ou quando vêm a lume por veículo de comunicação social). O que faz de todo o capítulo constitucional sobre a comunicação social um melhorado prolongamento dos preceitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão em sentido lato.
A Constituição proclama que (...) “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (inciso XIV). Discurso libertário que vai reproduzir na cabeça do seu art. 220, agora em favor da imprensa, com pequenas alterações vocabulares e maior teor de radicalidade e largueza. Confira-se:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
É precisamente isto: no último dispositivo transcrito a Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala:
a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação;
b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. Requinte de proteção que bem espelha a proposição de que a imprensa é o espaço institucional que melhor se disponibiliza para o uso articulado do pensamento e do sentimento humanos como fatores de defesa e promoção do indivíduo, tanto quanto da organização do Estado e da sociedade.
Plus protecional que ainda se explica pela anterior consideração de que é pelos mais altos e largos portais da imprensa que a democracia vê os seus mais excelsos conteúdos descerem dos colmos olímpicos da pura abstratividade para penetrar fundo na carne do real. Dando-se que a recíproca é verdadeira: quanto mais a democracia é servida pela imprensa, mais a imprensa é servida pela democracia. Como nos versos do poeta santista Vicente de Carvalho, uma diz para a outra, solene e agradecidamente, “Eu sou quem sou por serdes vós quem sois”.
Se se prefere, vigora em nosso ordenamento constitucional uma forma de interação imprensa/sociedade civil que não passa, não pode passar pela mediação do Estado. Interação que pré-exclui, portanto, a figura do Estado-ponte em matéria nuclear ou axialmente de imprensa. Tudo sob a ideia-força de que à imprensa incumbe controlar o Estado, e não o contrário, conforme ressalta o jornalista Roberto Civita, presidente da Editora Abril e editor da revista VEJA, com estas apropriadas palavras: “Contrariar os que estão no poder é a contrapartida quase inevitável do compromisso com a verdade da imprensa responsável”.
Outra não podia ser a escolha da nossa Lei Maior, em termos operacionais, pois sem essa absoluta primazia do que temos chamado de sobredireitos fundamentais sobejariam falsas desculpas, sofismas, alegações meramente retóricas para, a todo instante, crucificá-los no madeiro da mais virulenta reação por parte dos espíritos renitentemente autoritários, antiéticos, ou obscurantistas, quando não concomitantemente autoritários, antiéticos e obscurantistas. Inimigos figadais, por consequência, da democracia e da imprensa livre.” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.) No mesmo sentido: Rcl 11.305, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20-10-2011, Plenário,DJE de 8-11-2011; AI 684.535-AgR-ED, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 14-5-2010. Vide: ADI 4.451-MC-REF, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-9-2010, Plenário, DJE de 1º-7-2011. (grifei)
E assim também julga o STF:
“Os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito." (Inq 1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11-5-2005, Plenário, DJ de 11-11-2005.) No mesmo sentido: HC 106.664-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 19-5-2011, DJE de 23-5-2011; HC 99.490, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2011; HC 95.244, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 23-3-2010, Primeira Turma, DJE de 30-4-2010; HC 84.827, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7-8-2007, Primeira Turma, DJ de 23-11-2007. Vide: HC 90.178, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 2-2-2010, Segunda Turma, DJE de 26-3-2010.
Todo agente público está sob permanente vigília da cidadania, é direito do cidadão saber das coisas do poder, ponto por ponto. À imprensa cabe, sim, denunciar e dar ampla cobertura, e ao Poder Judiciário proteger a sociedade, que precisa e deve ter seus direitos preservados e defendidos.
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